30 de março de 2013

A seca no sudoeste baiano na década de 1950.


Memória Cultural: Escritos de Ubaldino Gusmão Figueira
Conheça o original da Carta enviada para o Presidente Getúlio Vargas. 





A seca ora vivida no município de Vitória da Conquista em 2013, não difere muito da estiagem ocorrida nos primeiros anos da década de 1950. A carta redigida por Dr. Ubaldino Gusmão Figueira para ser assinada por outros signatários e encaminhada ao Presidente Getúlio Vargas descreve a seca no município de V. da Conquista.

A seca na década de 1950 (1º esboço)

Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas
DD. Presidente da Republica

Nós, os signatários destas linhas, fazendeiros, criadores e agricultores do Sudeste e Sudoeste Baiano, diante da calamidade quase nacional, que assola a Bahia, e demais estados encravados no chamado polígono das secas, caracterizada pela estiagem prolongada, que só em nosso Estado já ocasionou a perda de mais de 20% de nosso rebanho bovino (já não falando do cavalar, suíno e caprino), motivada pela falta de pasto, cujo broto surgido da primeira e última chuva de 13 de dezembro, já desapareceu ante o sol abrasador que nos castiga e pela escassez de água pois em inúmeras fazendas, os ribeirões já não correm mais e as barragens secaram. Nossa lavoura proveniente da planta de dezembro está inteiramente perdida, os pequenos agricultores que constituem cerca de 80% dos lavouristas baianos estão sem semente para uma segunda planta (se ainda chover até março) e já experimentando os horrores da fome e da nudez. Aqueles que povoam as caatingas em grande número já realizaram um doloroso êxodo para S. Paulo e norte do Paraná e, os que ainda restam nem mais sair podem: sem pão, sem roupa e sem dinheiro!
Premidos por este trágico desenrolar de fatos, numa época como a que atravessamos, em que a alta dos gêneros de primeira necessidade e de tudo mais que existe no comércio está sem paralelos em toda a nossa vida passada, enquanto nossas cidades de momento a momento, mais se apinham de flagelados, não temos outra alternativa senão lançar nosso angustioso apelo aos poderes constituídos, em busca de um socorro urgente. Nosso comércio de gado está todo interrompido e as perspectivas futuras são as mais sombrias, pois, se não chover dentro destes 30 dias, a mortandade reduzirá o nosso rebanho a 100% por cento. Atualmente estamos vivendo das reservas acumuladas nos anos anteriores à presente seca; e como se pensar ainda em imposto sobre a renda?
Em virtude deste acervo de razões é que nos dirigimos à pessoa de V. Exa. possuidora que é de um espírito impregnado de sadio patriotismo, de um devotamento crescente aos legítimos interesses de nosso povo, de um sentimento de amor e justiça a serviço da solução imediata dos problemas graves que ameaçam a vida dos humildes e anônimos brasileiros que lutam nestes sertões agrestes, sem água, quase sem estradas, sem assistência social e quase nenhuma assistência hospitalar, sem máquinas agrícolas, sem amparo no que diz respeito às obras contra a seca, sem crédito agrícola e pecuário menos burocrático e mais acessível ao pequeno fazendeiro.
O que pedimos a V. Exa. é:
1) socorro pronto e rápido aos flagelados de todos os municípios atingidos pela seca;
2) maior facilidade para o crédito agropecuário;
3) a construção em nossa região de várias barragens, usando para este fim os flagelados que aqui e por todas as nossas cidades, pedem trabalho para não morrer de fome;
Só em nosso município, na vigência do governo de V. Exa. já foram escolhidos dois locais para os referidos açudes na zona das caatingas, porém estas obras ainda não se iniciaram.
Convictos de que V. Exa. atenderá a este justo e comovente clamor, dos sertanejos baianos subscrevemo-nos:

Ubaldino Gusmão Figueira 


A seca na década de 1950 (2º esboço)


Por este trágico desenrolar de fatos, numa época em que a alta dos gêneros de primeira necessidade e de tudo o mais, que aflige as nossas populações sertanejas, nós, que subscrevemos este angustioso apelo, estamos vivendo presentemente das reservas que nos anos anteriores adquirimos; pois o comércio de gado está praticamente interrompido. Receosos de que a mortalidade de gado continue, e esta será inevitável se o sol continuar por mais 30 dias; em face desta grave realidade, é que nos dirigimos a V. Exa. Dr. Getúlio Vargas, confiados no seu espírito altamente patriótico, no devotamento aos problemas nacionais, no coração compadecido diante dos brasileiros anônimos e humildes que moram nestes sertões agrestes, sem água, sem estrada, sem assistência social, sem um crédito agrícola accessível, sem máquinas para o amanso da terra; confiados ainda no desvelo com que V. Exa. examina e providencia a imediata solução a problemas semelhantes é que nós pedimos:
· socorro para os flagelados baianos;
· maior facilidade para o crédito pecuário e agrícola; (menos burocracia)
· uma medida urgente no sentido de se iniciarem os açudes para nossas caatingas, cujo solo é ubérrimo;
· que nos seja dispensado o imposto sobre a venda, recentemente criado, até que a presente crise cesse e voltem os tempos de fartura trazida pela regularidade das chuvas.


Notas 


Este texto, carta, abaixo-assinado, esboço de correspondência foi redigido por Ubaldino Gusmão Figueira para ser assinado por pessoas de vários segmentos sociais deve ter sido encaminhado ao Dr. Getúlio Vargas. Estamos pesquisando para levantar o ano dessa seca no período do governo Gerson Gusmão Sales nos primeiros anos da década de 1950. No esboço da carta, Ubaldino escreve o nome de Gerson Gusmão Sales como 1º signatário. (Ver original do documento)
Ubaldino Gusmão Figueira (1907- 1969). Ubaldino Gusmão Figueira nasceu em Vitória da Conquista, Bahia no dia 04 de outubro de 1907. Filho de Virgílio Manuel Figueira e Maria Gusmão Figueira. Médico cirurgião formou-se em 1932 pela Faculdade de Medicina de Minas Gerais. Escreveu ensaios sobre política e saúde pública, era poeta, orador e garimpeiro. Protestante, membro fundador da 2ª Igreja Batista de Vitória da Conquista. Médico muito competente e dentre os seus feitos na área da medicina destaca-se a autocirurgia de apêndice, realizada em 05 de fevereiro de 1943 na cidade de Patos, Minas Gerais.
Este texto de Ubaldino Gusmão Figueira é parte dos diversos escritos que se encontram no Arquivo do Programa Letras de vida: escritas de si. In: Escritos de Ubaldino Gusmão Figueira, Carta ao Presidente Getúlio Vargas. Museu Literário Profa. Amélia Barreto de Souza. Comitê Proler/UESB de Vitória da Conquista. Sala de Leitura Íris Silveira. Setor Pró Memória. Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima. V. da Conquista, Bahia, Brasil. 2012. prolervc.blogspot.com Organização Heleusa Figueira Câmara. Revisão Diana Câmara, Heleusa Câmara, Maria de Lourdes Bastos. Digitação Márcia Betânia Amorim. 28/01/2013

Um comentário:

  1. Muito interessante o texto que se identifica com a realidade atual.e que bom te uma historiadora na família...

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